Comentava eu, pouco tempo antes da sessão da tarde do Nippon Koma, que achava as sessões dedicadas a um só autor problemáticas pois ou o dito autor é muito bom e a sessão é um prazer ou o autor é menos bom e pode se tornar uma seca descomunal...
Felizmente esta sessão, dedicada a Takashi Ishida, pertence à primeira categoria e a sessão foi um prazer surpreendente. Não posso considerar Ishida apenas um autor de filmes de animação, pois ele é mais do que isso. A avaliar pelos filmes exibidos, Ishida é um artista plástico com A grande! Os seus filmes conjugam o trabalho de luz e sombra, através de animações bicolores, nem sempre ou quase nunca sobre papel. Ele utiliza as paredes do estúdio e outros meios tridimensionais de grandes dimensões para desenvolver os seus filmes em stop-motion. As imagens lembram o que seria se Jackson Pollock tivesse animado os seus quadros, mas num trabalho muito além disso que conjuga diversas técnicas, repetições, sobreposições ópticas, trompe l'oeil ou ilusões ópticas, tudo coreografado ao som de música electrónica ou clássica. Numa espécie de culminar de todas essas experiências o filme Film of the Sea, ao substituir o habitual preto por tinta azul, transforma um experimentalismo quase abstracto em algo com que mais facilmente se empatiza, num filme mais consolidado e não apenas o estudo do movimento e da dicotomia luz/sombra apenas guiados pela sensibilidade do autor. Infelizmente calhou na ordem dos filmes ser este o primeiro, apesar de cronologicamente ser um dos últimos do artista (infelizmente já falecido), o que, a meu ver é uma má opção pois há uma clara evolução entre este filme e os outros. Ver primeiro uma obra que representa um culminar de experiências condiciona o visionamento das outras e faz com que dificilmente se goste tanto dos outros filmes. Se por outro lado os filmes tivessem sido mostrados por ordem cronológica teria se apreciado os mesmos em crescendo e talvez percebendo melhor a lógica da evolução da obra no seu todo.
O documentário da noite, A Normal Life, Please, pertencia à categoria dos documentários-câmara-de-vídeo-na-mão-sem-grande-preocupação-com-a-linguagem-cinematográfica, isto é, alguém agarrou numa câmara (segundo a narração um realizador freelancer) e resolveu filmar uma injustiça social sem preocupação alguma com a qualidade, o uso da linguagem cinematográfica ou das suas técnicas. Ah, mas fiquei a saber que, para além de os táxis no Japão terem naperons nos assentos, as cabines dos camionistas têm cortinas de renda preta... OK, é bom ver que o Japão não é o paraíso na Terra, já o tinha manifestado em edições anteriores do Nippon Koma, mas também ando a ficar saturada de tanta reportagem, de os filmes de cariz sócio-antropológico serem apenas, passe a expressão, sobre os podres do Japão, e de não aparecerem outro tipo de documentários que mostrem a sociedade japonesa como uma sociedade normal, com tantas coisas boas como más. Sinto falta dos documentários divertidos de Tsuchiya Yutaka, ou de trabalhos mais antigos mas mais cuidados como o saudoso documentário acerca das Takarazuka ou outros trabalhos na área do documentário e/ou experimentalismo que me digam mais que um qualquer tema polémico.
Culturgest
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