Hoje à tarde foi a sessão pela qual eu mais esperava: Japanese Anime Classic Collection 1928-1931. Esperava porque em geral gosto de ver cinema das décadas de 20-30, esperava porque gosto de ver animação arcaica, esperava porque esta compilação se trata de uma preciosidade que sobreviveu a várias intempéries, tais como terramotos, incêndios e afins. Só por isso sou os parabéns à Digital Meme pelas edições em DVD.
A grande maioria dos filmes emula o que era popular na época: os filmes da Disney e dos irmãos Fleischer, que aliás determinaram em grande parte a estética inicial do anime. Mas também há muito experimentalismo, técnicas mistas e novas e originais técnicas. Nestes filmes temos a herança do entretenimento popular japonês, seja nas adaptações de contos clássicos, seja na utilização de uma benshi, Midori Sawato, ou então na utilização original de chiyogami, o papel tradicional japonês, muito utilizado em origami. É necessária uma explicação: as novas tecnologias proporcionam-nos um privilégio até há bem pouco muito raro ou de outras gerações, viver o cinema (mudo) próximo de como se vivia na época da sua estreia. O cinema mudo japonês nunca foi propriamente mudo. Enquanto que o cinema mudo ocidental em geral tinha o acompanhamento musical ao piano ou de uma pequena orquestra (com partituras específicas em muitos casos), o cinema mudo japonês, para além desse eventual acompanhamento musical, costumava ter sempre um benshi, que era algo entre um narrador e actor que enriquecia a narrativa visual através da sua interpretação e improviso, criando uma ligação empática com os espectadores. Como esta compilação faz com certeza parte de um apaixonado trabalho de arquivo de algumas pessoas, tentou se manter uma parcela do que era o espectáculo do cinema no Japão dos anos 20-30, onde o cinema mudo durou mais que no ocidente por causa dessa mesma banda-sonora "ao vivo". Os filmes trazem-nos uma outra magia, a da vontade de contar histórias, em animações engraçadas e bem criativas e talvez o que sejam os primeiros karaokes da história: Harvest Festival e Kimigayo (o Hino Nacional do Japão).
Mais uma vez o documentário da noite, Abduction, The Megumi Yokota Story, traz-nos um tema "sonegado" pelos japoneses, também mais uma vez através do olhar estrangeiro. Conta a trágica história de uma miúda de 13 anos, Megumi Yokota, que, nos anos 70, foi raptada pelos norte-coreanos. Rapto esse que não foi único, o governo da Coreia do Norte admitiu 13 raptos semelhantes, mas estima-se que tenham sido mais de 100. O documentário conta a história sob o ponto de vista dos pais e da sua luta para encontrar a filha e para que a verdade venha à tona. O certo é que até hoje não se tem a certeza de ela estar morta ou viva.
Na busca de uma foto de Megumi, descobri que foi feita uma manga e um anime, disponível para downolad em várias línguas.
Os japoneses parecem ter alguns bloqueios em questões de nível emocional ou psicológico, empacando em vez de agir, negando assim todas as teorias e regras de conduta vindas das artes marciais que incentivam à acção em vez desta passividade constrangedora. E quando algum tipo de questão mais grave ou escândalo acontece, escondem o acontecido, aparentemente por "vergonha", o que para a minha cabeça latina não faz sentido nenhum e desperta alguma revolta. Basicamente apetece-me agarrá-los pelos colarinhos e dizer-lhes: façam alguma coisa! Claro que isto não se aplica aos pais de Megumi e outros parentes das pessoas raptadas, pois têm sido incansáveis na sua busca.
Culturgest
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