14.12.08

Nippon Koma 08: dia 6

Antes de comentar o documentário da tarde, Yasukuni, quero deixar duas ou três ideias claras: considero o Japão uma nação bélica e agressora durante a II Guerra Mundial, não concordo com todo e qualquer tipo de fascismo, mas também não gosto de radicalismos e hipocrisia.

Yasukuni trata de um santuário xintoísta, simultaneamente memorial aos mortos na II Guerra Mundial. O problema está em vários países asiáticos, invadidos pelo Japão durante a Guerra, nomeadamente a China, que para além de contestarem a existência do dito santuário também contestam o direito do então Primeiro-Ministro Koizumi de o visitar. Antes de ver este filme nem sequer fazia a mínima ideia da existência do tal santuário, e pelo menos durante a primeira meia-hora do filme não percebi o porquê de tanta polémica, pois um santuário semelhante parece-me natural e existem locais semelhantes em vários países do mundo, inclusive em Portugal. O documentário é extremamente parcial, só mostra o radicalismo e a obsessão nipónica com a honra e os heróis nacionais e todas as poucas pessoas que se manifestam em contrário ou parecem os dois velhos dos Marretas ou uns palermas que andam por ali... Como alguém diz durante o filme, com certeza que nem todos os japoneses são assim! Os únicos intervenientes no documentário que me pareceram verdadeiramente credíveis e pelos quais senti alguma empatia foram os parentes de militares forçados a participar na Guerra, que não querem os seus nomes inscritos no santuário (por não concordarem com os que os levou a morrer na guerra) e o ferreiro de sabres japoneses, de 90 anos, que os fabrica em nome do dito santuário (facto comum, principalmente antes da Era Meiji - quem viu Kenshin pode atestar isso). Pouco mais sei acerca do assunto, mas percebi rapidamente que o filme só mostrava o que interessava e que alguns factores sócio-culturais faziam falta para explicar determinadas acções, inclusive a visita do Primeiro-Ministro. Talvez o mais importante de todos é que os santuários xintoístas têm um papel importante na sociedade, nomeadamente no culto dos antepassados e são parte da vida política do país, nem que seja porque o Imperador é o sacerdote-mor, descendente directo de Amaterasu, a Deusa/Deus mais importante do xintoísmo (sic). Depois há outra questão: quem são os autores do filme, pelo que percebi de ascendência chinesa, para questionar a existência de um santuário semelhante? É verdade que determinadas atitudes e rituais testemunhados neste filme são exagerados e questionam a vontade de manter a paz dos japoneses, mas, por mais fascistas que determinadas atitudes sejam (e que são) pelo menos estes "neo-imperialistas" não nadam a espalhar violência gratuita nas ruas e a boicotar tudo o que não entra no seu limitado universo. Basta olhar para o que os neo-nazis têm feito, à revelia da lei, pela Europa fora para ter um termo de comparação. Acho que países como os da Europa, como os Estados Unidos, a China e até Portugal, não têm o direito de criticar os japoneses por não saberem gerir o conflito entre a tradição e as regras de uma sociedade capitalista moderna, aberta ao mundo. Tanto os diversos países da Europa, através da colonização, os Estados Unidos, através das inúmeras guerras que não lhes dizem respeito, do Vietname e do Iraque e a China que tendo deixado de ser oficialmente um país em regime comunista totalitário continua a exibir com orgulho um retrato gigantesco de Mao Tse Tung na praça de Tien An Men, têm demasiados telhados de vidro para criticar seja quem for, principalmente desta forma tão facciosa.

Este documentário valeu pelo ferreiro e pelo acompanhamento do fabrico de um sabre, arte nobre e rara, com um protagonista com imenso potencial para um filme brilhante e muitíssimo mal aproveitado, pois apesar de o mostrarem como homem de poucas palavras, deixou sempre a dúvida do que não mostraram.

O filme de animação da noite, Vexille, é um filmezito em 3D com acabamentos com um ar 2D com uma animação razoável, mas não maravilhosa e uma história de ficção-científica apocalíptica acabada às pressas. Digo isto porque o filme tem uma exposição inicial demasiado detalhada e muito longa para ter um final precipitado, lamechas e cheio de buracos narrativos e falhas de raccord. É o tipo de filme com o intuito de agradar a uma massa de fãs com um universo limitado ao cyberpunk, que não abre os horizontes a ninguém. Tem a curiosidade de ter a banda-sonora de um nome memorável da música electrónica britânica dos anos 80: Paul Oakenfold.

A edição deste ano do Nippon Koma foi definitivamente diferente. Achei os documentários muito dentro de um tom acusatório às maldades que o Japão cometeu na II Guerra Mundial (se bem que dentro do tema houve excepções), demasiados documentários sobre o Japão e demasiado poucos do Japão e quase todos dentro de um tom demasiado negativo e com uma grande falta de um olhar de cineasta e sentido de humor. A grande excepção e, sem dúvida, o melhor documentário de todos, foi The Cats of Mirikitani, mas é um documentário que por acaso é acerca de um japonês (que nem sequer o é verdadeiramente) mas que poderia ser sobre uma pessoa de outro país qualquer.

Achei a média das animações no geral mais fraquita, mas satisfez-me consideravelmente mais como espectadora que os documentários. As curtas Digista eram bem interessantes, mas dentro do género já vi melhor nas edições anteriores do Nippon Koma e toda a semana valeu pelas curtas dos anos 20-30, nem que seja pela sua importância histórica e antropológica.

Também reparei que este ano houve uma alta percentagem de filmes em que aparecia a Tokyo Tower ! É daquelas referências que nos dá a certeza inconsciente de que é mesmo do Japão que se está a falar!

Para o ano há mais (assim o espero)!

Culturgest

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