20.1.24

Shin Ultraman

O único filme que vi o ano passado no Indie Lisboa foi o menos provável dentro da programação do festival: Shin Ultraman. Não é comum o Indie Lisboa programar franchises de ficção científica de estúdio, sim, porque a Toho é uns dos maiores estúdios de cinema no Japão, mesmo sendo elas uma repescagem moderna de um formato muito popular outrora, como este Ultraman que, para todos os efeitos, tecnicamente não é um filme independente. 

Quando vi que o mais recente Ultraman iria ser exibido em Portugal, teve inclusive duas sessões, arranjei tempo para ir vê-lo, o que calhou também no último dia do festival. Só estou a fazer este post agora pelas mesmas razões que não fui ver mais nada no Indie de 2023: falta de disponibilidade.

Por vezes estas versões modernas de tokusatsus sofrem dos mesmos problemas dos reboots norte-americanos, excesso de modernização, excesso de polimento ou de sujidade. No entanto, este Shin Ultraman faz uma bela homenagem aos originais de baixo orçamento dos anos 60, mesmo quando a figura do Ultraman é recriada em 3D, mantém o aspecto de homem dentro do fato de borracha que dá o charme aos tokusatsus. Não queremos tokusatsus todos quitados, cheios de CGI, e cenários e humanos hiperrealistas. Queremos sim ver os fatos de borracha, os efeitos simples, explosões de napalm e seres gigantes a destruir o cenário em narrativas simples com um toque militarista. Os tokusatsu, kaiju e supersentai são produto da era pós nuclear e da guerra fria, tal como o James Bond, e foram construídos sobre o engenho dos técnicos e criativos dos estúdios japoneses dos anos 50, 60 e 70, com o propósito de entreter as massas sem se levarem demasiado a sério, mas sempre a passar uma mensagem ecológica e pacifista.

Dentro dos muitos que surgiram, Ultraman foi o primeiro que conheci, através das adaptações para comics norte-americanos, e ainda é o meu preferido. A ideia de um alien que encarna num ser humano e se transforma num gigante muito gigante, para defender a Terra das ameaças extraterrestres, que às vezes são mais terrestres que os humanos (é frequente estarem dormentes debaixo da crosta terrestre ou do oceano, como a Godzilla), sem uma agenda política é, no mínimo, brilhante. A sua incompatibilidade com a sociedade rígida japonesa é uma critica social velada muito interessante.

Shin Ultraman consegue marcar todas estas caixinhas e fazê-lo muitíssimo bem, actualizando mas preservando o estilo dos filmes e séries do séc. XX. A narrativa não difere muito das anteriores, mas o filme está muito bem construído, os actores são convincentes, mesmo para um público ocidental pouco habituado a certos maneirismos nipónicos. O filme é tecnicamente impecável, não cedendo a uma estética moderna. A suspensão da descrença é convincente e não questionamos nunca a estética retro. Isso está bem suportado pelas decisões visuais do grupo de humanos, simples, estilizados, mas realistas, e o grupo paramilitar, os cientistas e a tecnologia são verosímeis q.b. que quando surgem seja o monstro, seja o Ultraman, encaixam nesse universo, que faz a ligação ao espectador. Isto é, os únicos elementos exóticos, são os elementos extraterrestres. Mas este filme tem a mãozinha de Hideaki Anno, o criador do anime Evangelion, que bebe em grande parte das mesmas águas que os tokusatsus.

Por outro lado, a realização é sólida, empolgante, o que resulta num filme divertido que não se fica por agradar ao fã de tokusatsus, mas creio que consegue chegar ao espectador fã de ficção científica médio, com baixa tolerância a monstros em fatos de borracha.

O curioso disto tudo é que o formato kaiju, tokusatsu e supersentai é tão popular no Japão, que nunca deixou de ser produzido e tem evoluído, mantendo as suas características principais. Os filmes modernos tokusatsu já incluem modelação e animação 3D, efeitos visuais em computador, mas mantém a estética retro, a maioria das vezes sem exageros disparatados. Excepto os filmes da Sushi Typhoon, que só recomendo a quem tem tolerância a monstros em fatos de borracha e narrativas completamente surreais e disparatadas.

Termino com uma foto do meu único item de Ultraman, uma luz de presença, que me foi oferecida, vintage, mas provavelmente não oficial, não tem as clássicas marcas de (C). Infelizmente está avariada, a lâmpada original não sobreviveu, gostava de substituí-la por um LED e poder voltar a utilizá-la.

『映画 • 新ウルトラマン』

Indie Lisboa 2023


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