17.5.25

Versailles no Bara

Japoneses têm cerca de duas horas para condensar duas linhas narrativas complicadas, 14 volumes da manga e que duram um período de cerca de vinte anos. Em vez de usarem estratégias narrativas, algumas delas presentes tanto na manga como na adaptação anime dos anos 80, não, incluem uma série de "videoclips", com umas canções pop sem graça nenhuma, que nem épicas conseguem ser, e perdem-se na forma, perdendo o conteúdo.

< ATENÇÃO: SPOILERS! >

Por alguma razão Versailles no Bara é a rainha absoluta da manga shoujo, um clássico e um dos maiores sucessos da manga e anime de sempre, e Riyoko Ikeda um dos poucos nomes da manga shoujo conhecidos no Ocidente.

A história segue as vidas de duas mulheres, uma real e outra ficcional, que partilham a data de nascimento e a corte francesa do séc. XVIII. A real é Marie Antoinette, a mais que famosa Rainha de França que perdeu a cabeça, e a ficcional é Oscar François de Jarjayes, a mais nova das filhas do General Jarjayes, que a criou como um homem, à falta de um varão, para seguir os seus passos e carreira militar.

Havendo pouco tempo para contar estas duas histórias, que se entrelaçam, percebo a escolha de focar o filme na personagem ficcional, Oscar, já que a história de Antoinette tem sido sobejamente contada e até de forma sublime. Até porque a história de Oscar é muito invulgar e emocionante, se bem que por vezes anacrónica. Mas Não procuro o realismo em Versailles no Bara, mesmo tendo Ikeda estudado a História Europeia e baseado a sua manga, de forma bastante realista e correcta, coisa que costuma ser um milagre no que toca à perspectiva japonesa sobre a Europa e outros países do Ocidente, quase sempre distorcida, mas, apesar de tudo, menos que a perspectiva Europeia sobre o Japão, cheia de clichés e preconceitos, principalmente antes da globalização dos anos 80 e 90. Aliás, com medo da simplificação de uma adaptação para anime da sua manga mais popular, Riyoko Ikeda resistiu quase 10 anos, até que a dupla mágica do anime lhe foi proposta, Osamu Dezaki na realização e Shingo Araki na direcção de arte.

Versailles no Bara, o filme de 2025, é uma produção de luxo, com excelente character design, excelentes gráficos, excelente animação, uma paleta de cores muito bonita e, mesmo os CGI e efeitos 3D, não sendo eu fã das texturas e padrões aplicados digitalmente desta forma, são tão bons que nem parece que o Japão tem sido lento em adaptar a tecnologia, que agora domina tão bem, até mesmo uma pessoa atenta tem dificuldade em encontrar as costuras.

Mas o argumento, tendo uma base tão rica e emocionante, é mau. Resolveram dispor a narrativa em episódios curtos, intercalados por videoclipes, muito bem animados, mas sem grande razão de ser, e tapar os buracos narrativos com uma narração que pelo menos podia ter emulado as narrações épicas dos animes dos anos 70 e 80. Com isso perde-se completamente os crescendos narrativos, a montanha-russa emocional que é tanto a manga como a série e o filme fica uma chatice, só apanhando o passo nas cenas finais, da Revolução Francesa e o clímax final.

Desde que estreou o filme Marie Antoinette, de Sofia Coppola, tenho a certeza que, além da biografia de Antonia Fraser, ela viu a série Beru-Bara, pois esteticamente e a perspectiva feminina destacam-se em ambos. Este filme, Versailles no Bara, claramente foi beber ao filme de Sofia Coppola, o que daria um excelente fechar do círculo, se tivessem aproveitado as boas ideias do filme e não se tivessem perdido na estética. Por mais deslumbrante que seja a arte de Ikeda e de Araki, o que realmente torna Beru-Bara um clássico e uma manga a ler, é a narrativa, o modo como está construída e a perspectiva do ponto de vista feminino, visto de uma forma generosa, e não acusadora. É aqui que o filme falha, Marie Antoinette não é nem protagonista nem personagem secundária, não existe um ponto de vista coerente ao longo do filme e a sua morte é uma mera nota de rodapé. Apesar de incialmente a "Rosa de Versalhes" e protagonista da história ser Antoinette, a manga é sempre contada do ponto de vista de Oscar, a real protagonista da história, mesmo a partir dos primeiros capítulos. Cenas históricas importantes, como o Caso do Colar e outras muito representativas da decadência da realeza francesa, não deixam de estar presentes, pois explicam bem as mudanças de perspectiva do povo em relação a Antoinette e porque os acontecimentos históricos se deram como deram. Ikeda criou toda uma narrativa paralela, de Rosalie, meia-irmã da infame Jeanne de Valois. Rosalie aparece apenas numa curta cena, onde nem sequer são fiéis à manga, onde um nobre mata cruelmente a tiro uma criança esfomeada, cena essa que provoca a mudança de opinião de Oscar em relação à situação do país. A criança desaparece e Rosalie desaparece com ela. Será que a indústria do anime também foi contaminada pelas ideias woke? Há também a narrativa de Bernard, personagem que aparece apenas uma vez, e que conta toda a perspectiva da imprensa subversiva, da resistência e dos intelectuais que conspiraram a nova França.

Certo que não seria possível incluir isto tudo, mas estas narrativas paralelas complementam e reforçam as decisões de Oscar e fazem avançar a narrativa de forma plausível. Se não tivessem perdido tanto tempo com videoclipes e tivessem um argumento mais sólido, talvez o filme fosse mais equilibrado e justificasse tanto luxo. Outra coisa que me irritou nos videoclipes foram os anacronismos gráficos, com uma Paris de Hausmann e uma estética Art Nouveau... sim, coisas de um século depois. O único anacronismo da manga é a Ópera Garnier, que ainda não tinha sido construída e algumas liberdades criativas nos figurinos.

Para quem conhece e gosta da história de Beru-Bara, é um filme a ver; mas para quem não conhece, leiam a manga e/ou vejam a série dos anos 80. Este filme é a pior maneira de ser introduzido a este universo.

劇場アニメ『ベルサイユのばら』公式サイト



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