24.5.25

Lady Oscar (Versailles no Bara)

Foi preciso existir Beru Bara para me fazer ver um terceiro filme de Jacques Demy... mas felizmente este não é tão sofrível como os Parapluies ou as Demoiselles...

Depois de ver a nova adaptação de Beru Bara, pensei que estava na altura de voltar a procurar o filme franco-nipónico de 1979, realizado por Jacques Demy, mais conhecido por ser um dos membros da Nouvelle Vague, o novo cinema francês do final dos anos 60, cujos autores foram, antes de tudo, cinéfilos e críticos de cinema. E encontrei-o no YouTube.

Apesar do design de produção, sobretudo os figurinos e maquilhagem/cabelos, completamente pirosos, estava à espera de bem pior, pois as imagens não prometem grande coisa e detesto, detesto com toda a minha alma, os dois filmes de Jacques Demy que vi anteriormente, de tal forma que o bani da minha cinefilia.

Só costumo falar de live-actions japoneses, adaptados de material japonês, aqui no blogue, mas Lady Oscar é suficientemente interessante para o fazer (não nunca farei um post sobre o Dragon Ball Evolution ou o filme de Saint Seiya, que também vi recentemente). Lady Oscar é uma adaptação quase contemporânea da manga e anterior à série anime, Versailles no Bara. O que a torna única é que, desta vez, é uma co-produção França-Japão, com actores europeus, falado em inglês, e conta com uma equipa mista de franceses e japoneses, incluindo a notória Agnés Varda! Segundo leio pelas internetes, a Shiseido, importante marca de maquilhagem japonesa, foi o maior patrocinador do filme, e nota-se pela maquilhagem super seventies das moças. E também, que a manga foi traduzida por Frederic L. Schodt, que eu não imaginava andar enfiado nestas cenas dos animes tão cedo, mas faz todo o sentido.

Como os cenários são naturais e um dos principais o Palácio de Versalhes, estes escapam, com a ajuda de uma direcção de fotografia bonita e competente. O guarda roupa é um desastre, principalmente nas mulheres, vestidas de cetim brilhante e com feitios anacrónicos. A banda-sonora é perfeitamente adequada, contendo muitas melodias barrocas em cravo, violinos e afins, que encaixam bem na narrativa e período histórico.

Tal como a adaptação anime de 2025, o filme concentra a narrativa em Oscar, tornando Antoinette uma personagem secundária e Fersen só está lá para compor o ramalhete. Saltam praticamente todo o início e fim da manga, aliás, o filme termina na tomada da Bastilha, mas no geral consegue ser mais coerente com a manga, tendo um argumento mais equilibrado e os acontecimentos-chave mais bem distribuídos (sem números musicais idiotas). Temos a Rosalie e o Bernard, temos a Jeanne Valois de la Motte e o Caso do Colar, temos Robespierre e até temos a Polignac. Não temos Luís XV e DuBarry, não temos Maria Teresa da Áustria nem menção da família austríaca e faltam a intriga política e alguns momentos impressionantes, que levam Oscar a mudar de ideias. A história corre acelerada, pois, como disse no post do filme de 2025, é muito complicado compactar cerca de 20 anos de história, três protagonistas e factos históricos em duas horas. Mas os momentos-chave estão todos lá e a narrativa flui de modo uniforme, não parecendo uma sucessão de quadros. Os actores são competentes, mas com maneirismos difíceis de ignorar na actualidade e nenhum tem um desempenho particularmente marcante. Curiosidade: a Oscar em criança é interpretada por Patsy Kensit, futura estrela pop britânica. Mas, como já disse, a narrativa flui, é empolgante o suficiente para que não haja momentos aborrecidos e o filme vê-se bastante bem, mesmo que mais levezinho que o original. A única crítica que realmente tenho a fazer é o final, que para além de apressado e não ser fiel à manga, peca pela falta de intensidade emocional que torna o romance de Oscar e André mais trágico.

Lady Oscar (IMDB)

Lady Oscar - Versailles no Bara (1979)

17.5.25

Versailles no Bara

Japoneses têm cerca de duas horas para condensar duas linhas narrativas complicadas, 14 volumes da manga e que duram um período de cerca de vinte anos. Em vez de usarem estratégias narrativas, algumas delas presentes tanto na manga como na adaptação anime dos anos 80, não, incluem uma série de "videoclips", com umas canções pop sem graça nenhuma, que nem épicas conseguem ser, e perdem-se na forma, perdendo o conteúdo.

< ATENÇÃO: SPOILERS! >

Por alguma razão Versailles no Bara é a rainha absoluta da manga shoujo, um clássico e um dos maiores sucessos da manga e anime de sempre, e Riyoko Ikeda um dos poucos nomes da manga shoujo conhecidos no Ocidente.

A história segue as vidas de duas mulheres, uma real e outra ficcional, que partilham a data de nascimento e a corte francesa do séc. XVIII. A real é Marie Antoinette, a mais que famosa Rainha de França que perdeu a cabeça, e a ficcional é Oscar François de Jarjayes, a mais nova das filhas do General Jarjayes, que a criou como um homem, à falta de um varão, para seguir os seus passos e carreira militar.

Havendo pouco tempo para contar estas duas histórias, que se entrelaçam, percebo a escolha de focar o filme na personagem ficcional, Oscar, já que a história de Antoinette tem sido sobejamente contada e até de forma sublime. Até porque a história de Oscar é muito invulgar e emocionante, se bem que por vezes anacrónica. Mas Não procuro o realismo em Versailles no Bara, mesmo tendo Ikeda estudado a História Europeia e baseado a sua manga, de forma bastante realista e correcta, coisa que costuma ser um milagre no que toca à perspectiva japonesa sobre a Europa e outros países do Ocidente, quase sempre distorcida, mas, apesar de tudo, menos que a perspectiva Europeia sobre o Japão, cheia de clichés e preconceitos, principalmente antes da globalização dos anos 80 e 90. Aliás, com medo da simplificação de uma adaptação para anime da sua manga mais popular, Riyoko Ikeda resistiu quase 10 anos, até que a dupla mágica do anime lhe foi proposta, Osamu Dezaki na realização e Shingo Araki na direcção de arte.

Versailles no Bara, o filme de 2025, é uma produção de luxo, com excelente character design, excelentes gráficos, excelente animação, uma paleta de cores muito bonita e, mesmo os CGI e efeitos 3D, não sendo eu fã das texturas e padrões aplicados digitalmente desta forma, são tão bons que nem parece que o Japão tem sido lento em adaptar a tecnologia, que agora domina tão bem, até mesmo uma pessoa atenta tem dificuldade em encontrar as costuras.

Mas o argumento, tendo uma base tão rica e emocionante, é mau. Resolveram dispor a narrativa em episódios curtos, intercalados por videoclipes, muito bem animados, mas sem grande razão de ser, e tapar os buracos narrativos com uma narração que pelo menos podia ter emulado as narrações épicas dos animes dos anos 70 e 80. Com isso perde-se completamente os crescendos narrativos, a montanha-russa emocional que é tanto a manga como a série e o filme fica uma chatice, só apanhando o passo nas cenas finais, da Revolução Francesa e o clímax final.

Desde que estreou o filme Marie Antoinette, de Sofia Coppola, tenho a certeza que, além da biografia de Antonia Fraser, ela viu a série Beru-Bara, pois esteticamente e a perspectiva feminina destacam-se em ambos. Este filme, Versailles no Bara, claramente foi beber ao filme de Sofia Coppola, o que daria um excelente fechar do círculo, se tivessem aproveitado as boas ideias do filme e não se tivessem perdido na estética. Por mais deslumbrante que seja a arte de Ikeda e de Araki, o que realmente torna Beru-Bara um clássico e uma manga a ler, é a narrativa, o modo como está construída e a perspectiva do ponto de vista feminino, visto de uma forma generosa, e não acusadora. É aqui que o filme falha, Marie Antoinette não é nem protagonista nem personagem secundária, não existe um ponto de vista coerente ao longo do filme e a sua morte é uma mera nota de rodapé. Apesar de incialmente a "Rosa de Versalhes" e protagonista da história ser Antoinette, a manga é sempre contada do ponto de vista de Oscar, a real protagonista da história, mesmo a partir dos primeiros capítulos. Cenas históricas importantes, como o Caso do Colar e outras muito representativas da decadência da realeza francesa, não deixam de estar presentes, pois explicam bem as mudanças de perspectiva do povo em relação a Antoinette e porque os acontecimentos históricos se deram como deram. Ikeda criou toda uma narrativa paralela, de Rosalie, meia-irmã da infame Jeanne de Valois. Rosalie aparece apenas numa curta cena, onde nem sequer são fiéis à manga, onde um nobre mata cruelmente a tiro uma criança esfomeada, cena essa que provoca a mudança de opinião de Oscar em relação à situação do país. A criança desaparece e Rosalie desaparece com ela. Será que a indústria do anime também foi contaminada pelas ideias woke? Há também a narrativa de Bernard, personagem que aparece apenas uma vez, e que conta toda a perspectiva da imprensa subversiva, da resistência e dos intelectuais que conspiraram a nova França.

Certo que não seria possível incluir isto tudo, mas estas narrativas paralelas complementam e reforçam as decisões de Oscar e fazem avançar a narrativa de forma plausível. Se não tivessem perdido tanto tempo com videoclipes e tivessem um argumento mais sólido, talvez o filme fosse mais equilibrado e justificasse tanto luxo. Outra coisa que me irritou nos videoclipes foram os anacronismos gráficos, com uma Paris de Hausmann e uma estética Art Nouveau... sim, coisas de um século depois. O único anacronismo da manga é a Ópera Garnier, que ainda não tinha sido construída e algumas liberdades criativas nos figurinos.

Para quem conhece e gosta da história de Beru-Bara, é um filme a ver; mas para quem não conhece, leiam a manga e/ou vejam a série dos anos 80. Este filme é a pior maneira de ser introduzido a este universo.

劇場アニメ『ベルサイユのばら』公式サイト



3.3.25

Fushigina Melmo

Fushigina-Melmo deve ser o anime mais estranho que vi em toda a minha vida! Manga criada pelo mestre Osamu Tezuka em 1970, adaptada para anime em 1972, eu vi a versão remasterizada para DVD dos anos 90, Renewal, com a imagem restaurada e um elenco de vozes e canções completamente novos. As canções são as mesmas, mas regravadas com outra(s) cantoras e uma orquestração um pouco diferente.

Há poucos meses descobri que uma série de canais oficiais no YouTube, entre eles a Toei, a TMS (Tokyo Movie Shinsha) e a Tezuka Pro, andam a fazer upload de séries antigas e estou a aproveitar para ver algumas. O único senão é que os episódios só estão online por um período limitado, o que me tem obrigado a retomar o hábito de ver anime ao pequeno-almoço, como fazia disciplinadamente nos anos 90, na TV. Outro senão, não tanto para mim, mas para quem esteja a ler isto e tenha interesse, é que as séries não estão legendadas noutras línguas. Com isso, já perdi uma série de séries, entre elas Ribbon no Kishi, que gostaria de ver ou rever, mas consegui ver a Melmo, estou a rever Oniisama E... com excelente qualidade, vi uns OAVs de Black Jack e comecei a ver Jungle Taitei.

Regressando à Melmo. No primeiro episódio, portanto não é lá grande spoiler, a mãe de Melmo, uma menina de 9 anos, e dos seus dois irmãos mais novos, Totoo, com cerca de 5 anos, e Touch, um bebé, morre atropelada. Como último desejo, ela pede ao panteão dos deuses que tomem conta de Melmo e dos irmãos, e a solução é um frasco cheio de rebuçados azuis e vermelhos, que são entregues a Melmo. Aqui é que começa a ficar estranho. Os rebuçados azuis permitem a quem os toma crescer, ou envelhecer, 10 anos, e os vermelhos fazem o contrário, rejuvenescem 10 anos. A ideia inicial seria a Melmo poder tomar uma forma adulta, para tratar de assuntos adultos, e fazer com que os irmãos não tivessem de sair de casa ou ir parar às mãos de alguém que os maltrate. Mas Melmo tem 9 anos e é imatura como seria de esperar, apesar de ser bastante esperta. Cedo ela descobre que se tomar uma determinada combinação dos rebuçados, regressa à forma embrionária e pode transformar-se no animal que quiser, o que faz com que o irmão do meio passe parte da série na forma de uma rã com umbigo. Esta série também tem uma quantidade surreal de fanservice, pois as roupas de Melmo não acompanham o seu crescimento, a sua transformação mais frequente é na forma de 19 anos, o que faz com que a já curta minisaia fique extremamente curta e mostre as cuecas, e Melmo torna-se uma adolescente bastante avantajada no peito. Nem sempre Melmo permanece vestida e as cenas de nudez também são bastante frequentes...

Aparentemente a intenção inicial de Tezuka com esta série era fazer uma espécie de tratado em educação sexual e darwinismo para crianças, incluindo algumas cenas explicativas, mas cujo resultado é extremamente surreal. Gostei bastante da série, mas nunca pensei que tal coisa pudesse existir e puxa bastante pela suspensão da descrença.

Deixo aqui ambos os genéricos, pois são um bom resumo da história e onde se pode ver as diferenças e a qualidade entre a versão original e a restaurada.

Fushigina Melmo (1970)

Fushigina Melmo <Renewal> (1998)

手塚プロダクション公式チャンネル (YT)

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